“Ninguém pode indefinidamente contrariar suas convicções e valores espirituais, sem que o próprio espírito sucumba. Estou convencido de que a Igreja Presbiteriana do Brasil hoje é uma grotesca ressurreição dos aspectos mais repulsivos do Catolicismo Medieval. Continuar fiel a ela, continuar a ser contado como um dos seus ministros, é compactuar com uma conspiração contra a liberdade e o amor”. Foi com essas palavras que o brilhante Rubem Alves renunciou, em 1968, ao pastorado que exercia na Igreja Presbiteriana do Brasil quando esta apoiou abertamente a ditadura militar (1964-1985), de tristíssima memória. Queremos prestar hoje uma homenagem a Rubem Alves.
Falando para o mesmo público 37 anos depois
Mas quem foi Rubem Alves? A princípio, é o nome mais conhecido da Igreja Presbiteriana do Brasil, mineiro de Boa Esperança, falecido em 2014 em Campinas. Foi psicanalista, educador, teólogo e escritor. É considerado um dos principais pedagogos brasileiros ao lado de Paulo Freire, um dos fundadores da Teologia da Libertação e um intelectual renomado nos debates sociais em nosso país. Foi professor da UNICAMP. Aliás, eu mesmo já me inspirei nesse admirável pastor em alguns artigos que escrevi nessa Tribuna. Sugiro, por exemplo, “Histórias de quem gosta de ensinar” apagando incêndios .
Quando renunciou ao pastorado da sua igreja, “Rubem Alves só não sabia que estaria falando também dos aspectos mais repulsivos da mesma igreja – nada mais, nada menos, 37 anos depois do fim daquele regime, que feriu com baionetas a democracia brasileira”, escreveu o jornalista Matheus Leitão na sua coluna da revista Veja. Agora, a mesma Igreja Presbiteriana decidiu criar uma comissão interna para definir regras gerais a serem repassadas aos seus pastores sobre as próximas eleições. Da mesma forma, essas regras serão, indubitavelmente, contra o ex-presidente Lula e a favor de Bolsonaro. Isso já é sabido por todos. (Mas a última notícia que me chegou é que a Igreja deixou em aberto a questão. Deve ter, finalmente, prevalecido o bom senso).
Parte dos evangélicos é cúmplice dos crimes de Bolsonaro
Trata-se de um jogo de cartas marcadas porque o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, preso pela Polícia Federal em uma operação contra a corrupção, e o ministro André Mendonça, indicado por Bolsonaro para o STF, são justamente dessa congregação. Então, precisa falar mais alguma coisa? É preciso lembrar aqui que, em 2018, líderes evangélicos conseguiram – através de pedidos de votos desavergonhados com o microfone na mão – o apoio de 70% dos fiéis, que votaram em Bolsonaro. Afinal, a transformação dos púlpitos em palanques foi fundamental para a chegada do pior presidente da República da nossa história ao segundo turno da eleição.
Em suma, é estarrecedor, diante de tudo que Bolsonaro fez de forma contrária aos valores cristãos, ver uma das principais instituições religiosas do país apoiá-lo. No início de julho, o reverendo Osni Ferreira, de Londrina/PR, usou do púlpito para pedir votos para o presidente. “Temos que reeleger Bolsonaro. Irmãos, não tem outro caminho para o Brasil. Olha a América do Sul inteira”, disse Osni, transformando-se em um vergonhoso braço ideológico da extrema-direita no Brasil. Triste declaração, ainda mais por sabermos que vem de um tronco do protestantismo que se orgulha de ser doutrinariamente mais sólido, como bem lembrou Matheus Leitão. Por tudo isso, estamos prestando hoje uma homenagem a Rubem Alves.
Um grande inspirador para a nossa educação
Por fim, diante de todos esses desserviços ao Evangelho de Jesus, só cresce nossa admiração e respeito por Rubem Alves. Termino evocando um das mais conhecidos de seus pensamentos sobre a escola: “Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado”. Fica aqui a nossa homenagem a Rubem Alves.
Este artigo foi também publicado pelo jornal TRIBUNA na sua edição do dia 30/07/2022
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