No nosso último artigo, analisamos como as bizarrices bolsonaristas, que vimos nas últimas semanas, podem ser compreendidas sob o prisma da obra “Psicologia das Massas” de Freud. Hoje, em uma linha muito próxima dessa argumentação, eu quero me reportar a uma interessante entrevista do pesquisador e ensaísta João Cezar de Castro Rocha ao jornal Estado de Minas em 21 de outubro. Ele é professor titular de literatura comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, autor da excelente obra “Guerra cultural e retórica do ódio”. Veremos que os bolsonaristas usam da democracia com o objetivo de destruírem a própria democracia.
Produção da dissonância cognitiva coletiva
Em primeiro lugar, a tese defendida por Castro Rocha é que o Brasil assiste às condições para a instauração de um estado totalitário e religioso-fundamentalista. Acima de tudo, este é o objetivo da extrema-direita brasileira, que compartilha as mesmas estratégias de seus iguais do exterior: o uso das plataformas digitais para a produção da dissonância cognitiva coletiva, um Brasil paralelo, que fratura a espinha dorsal dos valores verdadeiramente cristãos e democráticos. Sobretudo, friso o “cristãos”. Evidente que não se trata do Cristo dos evangélicos e católicos que conseguem votar em Bolsonaro.
Afirma o professor que nunca estivemos numa situação tão grave. “Estamos hoje no Brasil em 1913, do filme alemão “A fita branca”, de Michael Haneke, a geração que, posteriormente, participou da ascensão do nazismo. Estamos vendo pessoas que conhecemos e respeitamos, e jamais imaginamos que pudessem ser cúmplices de um projeto totalitário de poder”, ele afirma. Do mesmo modo, lembro do filme que assisti na minha juventude, “O ovo da serpente”, de 1977. A maioria das pessoas ainda não se deu conta da seriedade do que estamos escrevendo. Isso vai muito além de uma simples polarização política ou de uma acirrada disputa eleitoral.
Busca-se a despolitização da pólis
Como defende Castro Rocha, a estratégia da extrema-direita no Brasil para instaurar um Estado Totalitário passa pela midiosfera digital e a produção de dissonância cognitiva coletiva. No Brasil, essa dissonância tornou-se a âncora desse projeto que visa a despolitização da pólis. Ele desvia, com falsas notícias, o debate dos temas que realmente interessam. Afinal, como operar isso? Trazendo para o campo da política e das eleições o alto nível de engajamento das redes sociais. O melhor exemplo foi o bolsonarista Nikolas Ferreira que teve quase 1,5 milhão de votos em Minas. A esquerda ainda não conseguiu utilizar, com competência, as redes sociais para as suas ideias e seus programas. André Janones percebeu isso muito bem.
Enfim, qual é mesmo o objetivo dessa eterna guerra cultural desencadeada pela extrema-direita? É, dentre outros motivos, aumentar sua presença nas redes sociais, com conteúdo nojento e absurdo, pois essa presença pode se materializar em votos, capturando o campo dos indecisos. Não foi isso que aconteceu nas duas últimas eleições presidenciais por aqui e, de forma muito semelhante, também nos Estados Unidos? O Brasil transformou-se, sem dúvida, em um laboratório de criação metódica de realidade paralela com claro objetivo de manipulação eleitoral.
Usa-se da democracia para destruir a própria democracia
Como constata Castro Rocha, “a dissonância cognitiva coletiva é uma temível máquina eleitoral pela transferência para a política da alta intensidade de engajamento das redes sociais. É um engajamento em torno da desinformação e de teorias conspiratórias”. E conclui: “Entre o primeiro e o segundo turno das eleições, a midiosfera extremista transformou-se em uma usina sórdida de desinformação e seus artífices incorrem nos mais variados tipos criminais”. Ou seja, usam da democracia com o objetivo de destruírem a própria democracia. Enfim, defendem a liberdade de expressão para xingar, ameaçar e propagar o ódio e a mentira.
Quem se submete voluntariamente à midiosfera extremista parte do princípio de nunca aceitar outra fonte. Então, não há mais possibilidade objetiva de se demonstrar que há erro nessas informações, porque todas as outras fontes de informação foram desqualificadas. Assim, temos hoje dezenas de milhões de pessoas que estão vivendo na ilusão, estão realmente convencidos de todo conteúdo dessa usina de desinformação, dessa máquina tóxica de produção de conteúdo com base em fake news e teorias conspiratórias. Mas qual a saída? Pretendo continuar nesse assunto no próximo artigo.
O jornal TRIBUNA também publicou este artigo na sua edição do dia 26/11/2022
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